Fonte: Correio Braziliense
Helena Mader
Publicação: 05/03/2010 09:25 Atualização: 05/03/2010 09:29
Brasília foi a primeira cidade moderna classificada como Patrimônio da Humanidade. O título, concedido em 1987, deveria servir como uma garantia de preservação do projeto urbanístico de Lucio Costa. Mais de duas décadas depois, o tombamento da capital federal trouxe prestígio internacional à cidade, mas não foi suficiente para proteger o Plano Piloto de abusos, como invasões de áreas públicas e expansões urbanas ilegais. Outros problemas como a multiplicação de ambulantes pela Esplanada dos Ministérios — mostrada na edição de ontem do Correio — representam uma agressão aos ideais de Lucio Costa e colocam em risco o título de Brasília como Patrimônio da Humanidade.Ontem, a reportagem voltou ao camelódromo da Esplanada e constatou que pouca coisa mudou. À tarde, a quantidade de vendedores irregulares era praticamente a mesma (39, no total). A Agência de Fiscalização do GDF promete organizar uma operação de fiscalização para desobstruir as áreas às margens do Eixo Monumental.
Daqui a quatro meses, a capital vai se transformar no centro das atenções entre os especialistas em tombamento. Será realizada aqui a reunião anual do Comitê do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Durante o encontro, que reúne representantes dos 21 países eleitos do Comitê, são avaliadas as propostas para novas inscrições na lista de patrimônio mundial. Mas os especialistas também discutem relatórios com o estado de conservação de algumas cidades ou lugares que detêm esse título.
A expectativa é que a situação de Brasília seja debatida durante a reunião. Diante das agressões em série ao tombamento, a capital corre o risco de receber sanções do Comitê e, em última instância, pode até mesmo perder o título de Patrimônio Mundial. Até hoje, apenas dois agraciados com a classificação foram excluídos da lista da Unesco (veja Para saber mais). Especialistas ouvidos pela reportagem não acreditam que a capital federal corra riscos de ser banida do grupo seleto de cidades e sítios protegidos. Mas eles apostam que o Comitê deverá fazer uma série de recomendações para que Brasília continue a fazer parte da lista da organização.
Análise
Em 2007, o governo brasileiro propôs ao Comitê do Patrimônio Mundial que a reunião deste ano fosse realizada na capital do país. A ideia era celebrar o cinquentenário da cidade — proposta que foi acatada pelos representantes da entidade. A coordenadora de Cultura da Unesco no Brasil, Jurema Machado, afirma que a situação de Brasília deve entrar na pauta da reunião. “Isso não se deve ao fato de o encontro ser realizado na cidade”, esclarece. “No ano passado, o Icomos (1)(Conselho Internacional de Monumentos e Sítios) enviou relatório ao Centro de Patrimônio Mundial, pedindo uma análise sobre o caso de Brasília. Nessas situações, o centro procura o governo do país em questão para pedir um detalhamento sobre a situação”, destaca Ao todo, há 890 lugares classificados como Patrimônio Mundial. A cada reunião, os representantes do Comitê discutem o estado de preservação de cerca de 20 cidades, além de apreciar os pedidos de inclusão de novas localidades. “O Comitê do Patrimônio Mundial não faz vistorias, só recebe as recomendações e depois delibera sobre o assunto”, explica Jurema Machado.
A presidente do Icomos Brasil, Rosina Parchen, conta que a preocupação com relação ao estado de conservação de Brasília surgiu em 2008, durante uma reunião internacional da entidade, realizada em Foz do Iguaçu (PR). “Depois da aprovação da moção, comunicamos o Centro do Patrimônio Mundial sobre o problema da deturpação do plano urbanístico do Lucio Costa, que foi justamente o que deu o título de patrimônio a Brasília”, destaca Rosina. “Também mandamos cartas aos deputados federais da cidade e a representantes do governo, pedindo informações sobre o problema”, acrescenta.
Entre as irregularidades graves detectadas na capital estão as invasões de espaço público na área central, como os puxadinhos das asas Sul e Norte, a criação de estacionamentos em áreas verdes — o que fere a escala bucólica — e a construção de coberturas nos prédios, que caracteriza a criação do sétimo andar. Pelo plano de Lucio Costa, as áreas residenciais da zona tombada devem ter, no máximo, seis pavimentos. “Se o governo de Brasília não seguir as recomendações, a cidade corre o risco de perder o título”, alerta Rosina Parchen.
O superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Alfredo Gastal, não acredita que a cidade possa ser excluída da lista da Unesco. “Mas, com certeza, vai levar um puxão de orelhas”, garante Gastal. “Estamos pressionando, mas não acredito que os problemas da cidade serão resolvidos até a reunião do Comitê”, lamenta. O encontro será realizado entre 24 de julho e 3 de agosto, no hotel Golden Tulip, próximo ao Palácio da Alvorada.
1 - Radiografia
O Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (cuja sigla vem do nome em inglês — International Council on Monuments and Sites) é uma entidade ligada à Unesco. Os especialistas do Icomos são responsáveis pela elaboração de relatórios e pelo aconselhamento dos integrantes do Centro de Patrimônio Mundial. A representação do conselho no Brasil, criada em 1978, foi a responsável pela elaboração da radiografia da situação de Brasília.
Parâmetros à ocupação
Além de intensificar as operações de fiscalização na zona central da cidade, o governo aposta em outra estratégia para proteger a região tombada pela Unesco. A Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (Seduma) vai concluir, até outubro, o Plano de Preservação da Área Tombada. Projeto de lei a ser enviado à Câmara Legislativa vai estabelecer com detalhes os parâmetros de uso e ocupação do solo na área tombada.
O trabalho começou em maio do ano passado, com a contratação de uma empresa encarregada de fazer o trabalho técnico. Foi realizado um levantamento das plantas de toda a zona protegida pela Unesco, por meio de georreferenciamento. Com esse trabalho, cada lote já aparece com as normas de ocupação referentes ao imóvel — assim, ficará mais fácil e rápido conferir se uma determinada construção está de acordo com a lei.
A partir deste mês, a Seduma vai fazer reuniões com a comunidade para discutir a elaboração do Plano de Preservação e, nesses encontros, vai colher sugestões para o projeto de lei (veja agenda abaixo). “Essas reuniões também têm caráter educativo, para informar a população sobre o que é o patrimônio tombado e a importância do título para a cidade. Depois dessas reuniões plenárias, serão feitas audiências públicas”, explica a subsecretária de Planejamento Urbano da Seduma, Rejane Jung.
A lei, quando aprovada, vai funcionar como um Plano Diretor Local da área tombada. Para a subsecretária, esse instrumento será importante para acabar com os abusos. “O plano vai dar mais clareza. Hoje, temos normas muito antigas que, muitas vezes, não são claras com relação aos usos. Vai facilitar a atuação do poder público e ajudar até mesmo no esclarecimento da sociedade”, finaliza Rejane Jung. Fazem parte da área tombada as asas Sul e Norte, a zona central de Brasília, a Candangolândia, o Sudoeste e a Octogonal. (HM)
Para saber mais
Até hoje, apenas dois lugares foram excluídos da lista de Patrimônio Mundial da Humanidade da Unesco. No ano passado, o Vale do Rio Elba, em Dresden (Alemanha), perdeu o título durante a reunião do Comitê, realizada em Sevilha, na Espanha. A exclusão aconteceu por causa da construção de uma ponte chamada Waldschlösschen, com quatro faixas de rolamento. Para a Unesco, essa obra alterou a paisagem da região. Dresden havia sido declarada Patrimônio Mundial em 2004.
Em 2007, o local retirado da lista foi o Santuário dos Orix da Arábia, em Omã. O Comitê do Patrimônio Mundial tomou a decisão depois que o país anunciou uma redução de 90% da área da reserva. Isso foi condenado pela Unesco, que optou por excluir a unidade ecológica da lista do patrimônio. O local abriga o Orix da Arábia, espécie que é ameaçada de extinção. Também influiu na decisão os planos de Omã de fazer perfurações petrolíferas na região, antes tombada. (HM)
Fique atento
A população pode participar da elaboração do Plano de Preservação da Área Tombada. Os primeiros encontros acontecem a partir da próxima quarta-feira. Confira os locais e horários dessas reuniões:
10/3 – Asas Norte e Sul, às 19h, no Museu Nacional de Brasília
11/3 – Sudoeste / Octogonal, às 19h, no auditório do Colégio Ciman (AOS 1/4)
12/3 – Cruzeiro, às 19h, Biblioteca do Cruzeiro (Área Especial “A”)
13/3 – Candangolândia, às 8h30, na sala de reuniões da Administração Regional da cidade
13/3 – Área Central do Plano Piloto, às 14h30, no auditório do Crea (SGAS 901, Lote 72)
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